Fizemos o folheto para esse projeto -Hello - e apresentámos o escritor. Também em Itália. Podem dar uma olhadela ao que levámos. Afinal, nem tínhamos combinado com Castelo de Paiva o que íamos mostrar aos nossos amigos do projeto europeu. Acabámos por levar livros diferentes do mesmo autor português. Os meus alunos leram o início do romance Ensaio sobre a Cegueira e cada um pôde imaginar o que seria viver sem conseguir VER. A seguir, houve atividades sobre as questões relativas à deficiência, com a turma do 8ºB: ida à Cercima para uma atividade conjunta (música e pintura) e trabalho efetivo sobre as condições de vida para os deficientes em cadeira de rodas, dentro de Alcochete (para participação no Concurso Escola Alerta promovido pelo I.P. e pelo I.N.R.,nesse ano letivo): pequeno filme sobre as acessibilidades e entrevista à responsável da Câmara Municipal do urbanismo e ao jovem Pedro Dias que veio falar, com a turma, sobre a sua história de vida.
Este foi o logotipo do projeto comunitário já referido:
No ano 2007, a Escola E.B.2,3 El-Rei D. Manuel I participava no projeto Comenius Hello, um projeto que tratava de questões relativas à tolerância. Os países envolvidos eram: Portugal (duas escolas, a nossa e a Escola Secundária de Castelo de Paiva); Itália (Busto) e uma outra que desistiu (do sul); Bulgária (desistiu no 1º ano), Alemanha (duas escolas), Espanha (Vitoria) e Turquia (Denizli).
Os encontros iam decorrendo - durante 3 anos- e fomos fazendo sempre muitos trabalhos com os alunos (que nos acompanhavam também aos encontros).
Num dos encontros, em Busto, em 2007, uma das escolas portuguesas - Castelo de Paiva- apresentou uma história com fantoches, em inglês. Era um excerto de um livro do escritor José Saramago e era uma história (o autor dizia ser uma fábula, mas era, na verdade, uma parábola) de uma família (os pais) que descriminava um avô e, por isso, foi o neto que lhes deu uma lição de moral. Não conhecia o livro As Intermitências da Morte - mas os meus alunos de Português acabaram por ler esse excerto que é muito tocante. A partir daí, acabei sempre por ler algo deste escritor aos alunos do Ensino Básico (o caso deste excerto ou de A maior flor do mundo, por exemplo).
Os alunos do Ensino Básico gostam muito deste livro: recomendo sempre a leitura a alunos do 9º ano. Neste ano letivo, foi um dos livros apresentados por uma aluna do 9º ano, com muito sucesso, em sala de aula, sendo recomendado pela biblioteca escolar. A aluna foi depois convidada a apresentá-lo num encontro de Leituras Terríveisque decorreu na biblioteca da Escola Secundária de Alcochete (dia 15/2/2013). Também com muito sucesso!!
Physiognomische Fragmente, 1775-78, representa o rosto da morte encoberta pela máscara de uma mulher, como na obra de Saramago.Vejam este belo trailer do livro:
"No dia seguinte ninguém morreu." Começa assim. Afinal, a morte faz falta, também ela - personificada - deve ser amada. E, às vezes, quando nos dizem que não fazemos falta, temos o direito de dizer BASTA! O excerto lido pelos alunos era o seguinte:
" Era uma vez, no antigo país das fábulas, uma família em que havia um pai, uma mãe, um avô que era o pai do pai e aquela já mencionada criança de oito anos, um rapazinho. Ora sucedia que o avô já tinha muita idade, por isso tremiam-lhe as mãos e deixava cair a comida da boca quando estavam à mesa, o que causava grande irritação ao filho e à nora, sempre a dizerem-lhe que tivesse cuidado com o que fazia, mas o pobre velho, por mais que quisesse, não conseguia conter as tremuras, pior ainda se lhe ralhavam, e o resultado era estar sempre a sujar a toalha ou a deixar cair a comida ao chão, para já não falar do guardanapo que lhe atavam ao pescoço e que era preciso mudar-lhe três vezes ao dia, ao almoço, ao jantar e à ceia. Estavam as coisas neste pé e sem nenhuma expectativa de melhora quando o filho resolveu acabar com a desagradável situação. Apareceu em casa com uma tijela de madeira e disse ao pai, A partir de hoje passará a comer daqui, senta-se na soleira da porta porque é mais fácil de limpar e assim já a sua nora não terá de preocupar-se com tantas toalhas e tantos guardanapos sujos. E assim foi. Almoço, jantar, ceia, o velho sentado sozinho na soleira da porta, levando a comida à boca conforme lhe era possível, metade perdia-se no caminho, uma parte da outra metade escorria-lhe pelo queixo abaixo, não era muito o que lhe descia finalmente pelo que o vulgo chama o canal da sopa. Até que uma tarde, ao regressar do trabalho, o pai viu o filho a trabalhar com uma navalha um pedaço de madeira e julgou que, como era normal e corrente nessas épocas remotas, estivesse a construir um brinquedo por suas próprias mãos. No dia seguinte, porém, deu-se conta de que não se tratava de um carrinho, pelo menos não se via sítio onde se lhe pudessem encaixar umas rodas, e então perguntou, Que estás a fazer. O rapaz fingiu que não tinha ouvido e continuou a escavar na madeira com a ponta da navalha, isto passou-se no tempo em que os pais não eram assustadiços e não corriam a tirar das mãos dos filhos um instrumento de tanta utilidade para a fabricação de brinquedos. Não ouviste, que estás a fazer com esse pau, tornou o pai a perguntar, e o filho, sem levantar a vista da operação, respondeu, Estou a fazer uma tigela para quando o pai for velho e lhe tremerem as mãos, para quando o mandarem comer na soleira da porta, como fizeram ao avô. Foram palavras santas. Caíram as escamas dos olhos do pai, viu a verdade e a sua luz, e no mesmo instante foi pedir perdão ao progenitor e quando chegou a hora da ceia por suas próprias mãos lhe levou a colher à boca, por suas próprias mãos lhe limpou suavemente o queixo, porque ainda o podia fazer e o seu querido pai já não."
A curta metragem da Maior Flor do Mundo foi realizada pelo realizador galego, Juan Pablo Etcheverry, em 2006, e foi narrada pelo próprio José Saramado. Este filme de animação tem a banda sonora de Emilio Aragón que pela mesma recebeu o Prémio Amigos da Música de Badalona para a melhor música original. O filme foi, também, nomeado em 2008 para o prémio a Melhor Curta-metragem de Animação nos Goya, e teve um grande êxito em outros festivais como: Tokyo Global Environmental Film Festival, Anchorage International Film Festival de Alaska e no Festival Internacional de Cine Ecológico e Natureza das Canarias.
Em 2003, numa visita à Feira do
livro de Lisboa, encontrei Saramago no pavilhão da editora Caminho a autografar
os seus livros.
Não trazia nenhum, não sabia que Saramago ia estar na Feira
naquele dia.Comprei o Ensaio
sobre a Cegueira e A Maior Flor do Mundo para a minha filha, Maria.
Fui para a enorme fila e esperei
pela minha vez.José Saramago
estava com um ar cansado e sem grandes sorrisos.Quando chegou a minha vez, autografou o Ensaio sobre a
Cegueira sem quase olhar para mim, mas quando lhe entregueiA Maior Flor do Mundo, olhou-me a
sorrir e perguntou;
_ Para quem é este livro?
_ É para a minha filha, Maria. Já
tem um, mas agora comprei outro para ficar com o seu autógrafo.
_ É pequenina a sua filha? Já leu
o livro?
_Tem 4 anos, já lhe li o livro. Gostou de como o menino
salvou a flor.
_ Então vou desenhar uma flor
para a Maria!
Saramago desenhou uma flor no
livro da Maria, levantou-se e deu-me um beijo. As pessoas da fila devem ter
pensado que o conhecia, porque não deu um beijo a mais ninguém. Foi muito
engraçado.
No passado ano letivo trabalhei, com o 8º Ano, a Banda Desenhada. Os alunos de uma das turmas escolheram A Maior Flor do Mundo para fazerem a sua interpretação da história em Banda Desenhada. Aqui fica a BD da Carina.
José Saramago começa a Maior Flor do Mundo dizendo não saber escrever histórias para crianças. Afinal não era verdade. Esta história é fantástica para as crianças de todas as idades. Mesmo para as que não sabem ler. João Caetano ilustrou a história de forma a que o leitor vá imaginando as suas leituras a partir do imaginário das suas ilustrações. Saramago começa pequenino, lá ao fundo escrevendo, e vai crescendo, crescendo, com a história. No final, ficamos com vontade de correr atrás das últimas imagens para ver que mais histórias escondem...
João Caetano nasceu em Moçambique, em 1962, e tem
o curso de Pintura da Escola Superior de Belas Artes do Porto. Começou a sua
atividade ligado à Banda Desenhada. Em 1980, participou no programa televisivo
Animação, da autoria de Vasco Granja, e foi premiado em concursos de banda
desenhada promovidos pela ESBAL e pelo Diário de Notícias. Desenvolve
profissionalmente a actividade de ilustrador, desde 1981. Colaborou em mais de
50 títulos no âmbito do livro escolar. Ilustrou cerca de 20 títulos na área do
livro infanto-juvenil, em Portugal e Espanha. A par com esta atividade tem
participado em diversas exposições de pintura. Integrou o catálogo The Best
of..., no Concurso de Ilustração do BIB, Checoslováquia, em 1995. Participou no
seminário Design Pr'Amanhã, realizado pela Escola Superior de Gestão e
Tecnologia de Portalegre, em 1999. Recebeu Menções Honrosas do Prémio Nacional
de Ilustração pelas ilustrações dos livros Os Mais Belos Contos Tradicionais -
Ed. Civilização, em 1998, e Conto Estrelas em Ti - Ed. Campo das Letras, em
2000; foi-lhe atribuída ainda uma Menção Especial do concurso Scarpetta
d'Oro, em Itália, em 2000 e o Prémio Nacional de Ilustração em 2001. Tem
colaborado com Bibliotecas Municipais e escolas do ensino básico em actividades
culturais de âmbito diversificado.
No 12ºano, nos anos oitenta, no liceu de Silves, a Escola Industrial e Comercial de Silves, o professor de Literatura Portuguesa trabalhava connosco a obra de Fernando Pessoa. Quando começámos a analisar os heterónimos, o professor decidiu trazer um livro que andava a ler. Tinha-o em cima da secretária. Levantou-o e apresentou-nos o livro e o autor, assim: "O Ano da Morte de Ricardo Reis é a obra de um escritor que vai dar que falar, estejam atentos." Comprei mais tarde o livro, foi o meu primeiro livro de Saramago, talvez não muito adequado para a idade que tinha.
A escola hoje... quase igual.
Só voltei a ouvir falar deste autor uns anos mais tarde na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Dava uma palestra e havia muita gente...pensei que deveria começar a ler a sua obra. Foi assim... devagar.
No livro de crónicas, A Bagagem do Viajante, Saramago refere o poema de Carlos Drummond de Andrade como algo importante na sua vida, porque também se chama José e porque, ao longo da sua vida, se questionou diversas vezes, desta maneira, nos momentos de desconforto: "E agora, José?". Dedica também esta questão a todos os Josés desta vida que chegaram ao limite das suas forças, que foram esmagados pela vida que lhes aconteceu ou que escolheram.
" Há versos célebres que se transmitem através das idades do homem, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de trânsito, bússolas - ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos que fazem do que viveu já, do que vive e do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso de tempo sem medida. Considero privilégio meu dispor deste verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho interrogado: "E agora?". Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atónitas. " E agora, José?" Grande, porém é o poder da poesia para que aconteça, como juro que acontece, que esta pergunta simples aja como um tónico, um golpe de espora, e não seja, como poderia ser tentação, o começo da interminável ladainha que é a piedade por nós próprios.(...)
Mas outros Josés andam pelo mundo, não o esqueçamos nunca. A eles também sucedem casos, desencontros, acidentes, agressões, de que saiem às vezes vencedores, às vezes vencidos. Alguns não têm nada nem ninguém a seu favor, e esses são, afinal, os que tornam insignificantes e fúteis as nossas penas. A esses, que chegram ao limite das forças, acuados a um canto pela matilha, sem coragem para o último ainda que mortal arranco, é que a pergunta de Carlos Drummond de Andrade deve ser feita, como um derradeiro apelo ao orgulho de ser homem: "E agora, José?".
Na comemoração dos noventa anos do autor, pensámos em participar nesta homenagem. E como pensámos, assim fizemos. Acreditamos que os escritores como Saramago nunca morrem, ficam por cá a lembrar-nos que também pensavam nisso, que já tinham escrito sobre aquilo, que viveram isto ou aquilo. A desassossegar-nos!!
Os escritores são pessoas, mas têm a sorte de ficar por cá muito mais tempo do que nós...E isso reconforta-nos, pois não é todos os dias que temos um escritor desta envergadura. Com um espírito crítico e reflexivo que nos surpreende a cada instante. A desassossegar-nos!!
Porquê então este título no blogue? Ora, porque Carlos Drummond d'Andrade é um dos grandes nomes da poesia brasileira e sabemos como Saramago gostava de visitar aquele país, onde, com certeza, era bem recebido- basta ver as fotografias com Jorge Amado e Caetano Veloso, entre outros, no blogue da editora brasileira Companhia das Letras que para além de o editar, no Brasil, também lhe presta homenagem. O título é, por isso, o poema de Drummond...E agora José?A mensagem do poema também é inequívoca: o José crítico e forte, de voz forte , sempre alerta, é o nosso homenageado, voz vigilante de um país que, se na altura, não o percebeu bem, agora vai lendo os avisos e as críticas com outra atitude. É preciso uma nova revolução, cultural e de valores, para ultrapassarmos o momento difícil em que vivemos. Temos direitos, mas também deveres, estes últimos lamentavelmente esquecidos, nas últimas décadas, por muita gente, incluindo por quem deveria dar o exemplo.
O Dia do Desassossego- Manifesto que a Fundação redigiu, no dia do seu aniversário, em novembro, resume esta forma de estar e de pensar do autor, tantas vezes incompreendido e mal-amado.
Poema de Carlos Drummond d'Andrade que escolhemos para homenagear o escritor Saramago, ele próprio um grande admirador do poeta. Há até registado numa revista brasileira, o encontro entre estes dois grandes escritores. Vejam aqui *(será que se encontraram mesmo?):
JOSÉ E agora, José? A festa acabou, a luz
apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora,
você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz
versos, que ama protesta, e agora, José?
Está sem mulher, está
sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode
fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde
não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo
fugiu e tudo mofou, e agora, José?
E agora, José? Sua doce
palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua
biblioteca, sua lavra de ouro,
seu terno de vidro, sua
incoerência, seu ódio - e agora?
Com a chave na mão quer abrir a
porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer
ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora?
Se você
gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você
dormisse, se você cansasse, se você morresse… Mas você não
morre, você é duro, José!
Sozinho no escuro qual
bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem
cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, pra
onde?
*"A campanha anual para a 3ª edição do Corredor Literário na Avenida Paulista, composta de 5 cartazes, é texto puro e original na veia. Até porque, não poderia ser diferente. O Corredor é um evento de uma semana, organizado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com o objetivo de estimular a leitura, oferecendo para o público diversas atividades gratuitas e presenças de personalidades literárias e artísticas."