quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vimos uma passarola em Lisboa

Em março, as turmas do 8º ano da Escola Secundária de Alcochete foram a Lisboa, a dois locais importantes que tanto interessariam Saramago: o Diário de Notícias (Media Lab) e a nova exposição sobre a capital, denonimada Lisbon History Center. No último espaço, cada visitante caminha pela história da cidade e vai revendo os episódios que a caracterizaram, ao longo destes séculos. Finalmente, chegámos ao tempo de D. João V e vimos, no meio da sala, Uma Passarola que representa o sonho em ir mais além, em voar - quando nenhum mecanismo tinha sido inventado para que o objeto voasse efetivamente. Era uma heresia, talvez, na mentalidade da época. Os alunos do 8º ano não perceberam que objeto era aquele...uma espécie de OVNI.
Lembrei-me então do excerto do livro em que se fala destas questões 
- loucura ou juízo ?
" Nunca perguntamos se haverá juízo na loucura, mas vamos dizendo que de louco todos temos um pouco. São maneiras de nos segurarmos do lado de cá, imagine-se darem os doidos como pretexto para exigir igualdades no mundo dos sensatos, só loucos um pouco, o mínimo juízo que conservem, por exemplo, salvaguardarem a própria vida, como está fazendo o padre Bartolomeu Lourenço. Se abrirmos de repente a vela, cairemos na terra como uma pedra, e é ele quem vai manobrar a corda, dar-lhe a folga precisa para que se estenda a vela sem esforço, tudo depende agora do jeito, e a vela abre-se devagar, faz descer a sombra sobre as bolas de âmbar e a máquina diminui de velocidade, quem diria que tão facilmente se poderia ser piloto nos ares, já podemos ir à procura de novas índias."
    " Memorial do Convento", Editorial Caminho (1ª ed., 1982)
A Passarola - Lisbon History Center

sábado, 20 de abril de 2013

Pois, um poema!!

No mundo há vozes que se soltam
Nascem livres debaixo das pedras
Caminham ao lado dos muros
Persistem na recolha das folhas
Na apanha das ideias presas nas flores.

No mundo o vento não pára
Traz o cinzento e o verde
Traz o laranja e o azul
Por isso ficamos à espera
Palavras vírgulas pontos finais.

Apenas isso misturado mais nada
Porque a passarola precisa de vento e de outras coisas
Do sonho da liberdade
De um operário da escrita.


Foto de Sebastião Salgado

Lucidez e Escola - Ensino Secundário (uma escolha)

Lucidez (branca). Ora aí está uma palavra que, para além de constar num dos títulos da sua obra, também sintetiza o seu pensamento sobre o mundo, em geral, sobretudo sobre a classe política. Uma mensagem atual, de um escritor interventivo, atento e sempre pronto a contestar a "desordem natural" das coisas. Voto branco significa desconfiança.
Camões, quer na obra épica quer na lírica, sempre aludiu, a essa sua faceta enquanto escritor: a de desassossegar, de chamar a atenção do leitor, se este conseguir perceber a mensagem, se conseguir descodificar o discurso. Saramago teve a oportunidade de viver alguns séculos depois de Camões, numa sociedade mais escolarizada, que podia comprar os seus livros, ler e/ou ver  as suas entrevistas, as suas crónicas.
Viveu no tempo em que o cinema e a literacia mediática invadiram todas as casas (ou quase todas), por isso ele próprio se tornou visível, requisitado e invejado. A sociedade portuguesa continua a torná-lo visível, a ler os seus livros e a olhar felizmente para a sua obra com orgulho.
Perguntamos a nós mesmos se um grande escritor, que viajou pelo mundo e conviveu com tantos escritores, pode ser incómodo. Pode, sim. Saramago tratou da questão da cegueira branca, no seu livro "Ensaio sobre a Cegueira", num texto metafórico que demonstra que a expressão idiomática "em terra de cego, quem tem olho é rei", pode ser desconstruída. E se vivermos todos numa sociedade doente, em que alguns cegos é que nos governam? O que podemos fazer? Sujeitamo-nos? Como estamos a fazer? Podemos até ver a adaptação para filme desta obra e ler alguns excertos com os alunos.
Também a crítica às grandes catedrais do consumo que tudo matam (o tecido económico), que levam as pessoas a gastar o que têm e não têm, surge no livro A caverna. Um livro que deveria ser lido nas escolas e trabalhado com os alunos do Ensino Secundário (numa perspetiva de leitura crítica, reflexiva). Por que saímos das cavernas e estamos agora a regressar a elas? Para consumir!?





segunda-feira, 11 de março de 2013

A resenha vencedora da editora Companhia das Letras

Blog da Companhia das Letras - editora brasileira do escritor- lançou há alguns meses um concurso cultural visando celebrar os 90 anos do escritor português José Saramago. Ganhou esta resenha:




Jangada de Pedra
Por Caroline Oliveira

É do conhecimento geral que Portugal não estendeu sua glória à contemporaneidade e que, além da diluição de seu grande sucesso dos tempos da expansão marítima, se distanciou do restante da Europa no que tange ao desenvolvimento político, econômico e social. Em suma, não é novidade para ninguém que os atuais conterrâneos de Camões vivem num país subordinado à condição periférica no velho continente. É esta situação que metaforicamente se delineia em A jangada de pedra (edição brasileira). Já que a integração não se realiza, por que não arrancar a Península Ibérica da Europa? É isso que José Saramago esboça de forma magistral em seu romance, publicado em 1986, ano em que Portugal e Espanha se tornam membros da Comunidade Econômica Europeia.
Logo na primeira oração do romance, mostra-se um dos fatos que supostamente desencadeou o problema central. “Joana Carda riscou o chão” e a partir daí uma série de outros acontecimentos anormais são relatados, de forma que todos eles em unidade constituirão o suposto motivo pelo qual o território espanhol, sem mais nem menos, desgarrou-se do francês. Além de Joana, há mais quatro personagens que intervêm no tal acontecimento, sendo que Joaquim Sassa atira uma pedra ao mar com uma força além de seus limites, Pedro Orce sente a terra tremente constantemente sob seus pés, José Anaiço é perseguido por um bando de estorninhos por onde quer que vá e Maria Guavaira desmancha uma meia de lã azul interminável. Tudo isso se dá concomitantemente, mas em locais distintos.
José Saramago lança mão também do mito, o que torna a narrativa ainda mais interessante. Os cães de Cérbere, por exemplo, que haviam ficado em silêncio até o risco de Joana Carda e que a partir daí começaram a ladrar, se referem ao Cérbere da mitologia grega, “cão-porteiro” do Hades que impossibilitava a saída das almas do inferno. Um dos cães de Cérbere irá participar na reconstituição do mito de Ariadne, onde o fio da meia de lã azul transportado pelo cão será essencial na busca pelo caminho que levará o cão de volta a Maria Guavaira, mas desta vez em companhia dos outros quatro personagens, que viverão aventuras pela Península, que navegava pelo Atlântico.
A questão da separação geográfica da Península Ibérica não encontra respaldo científico. Ela continua misteriosamente passeando pelo oceano e engendrando um rebuliço de caráter mundial. Enquanto isso, os quatro personagens, que carregam em si a culpa de tudo, em sua jornada em busca de alguma resposta ao mistério, encontram espaço para seus dramas provenientes das relações interpessoais ― a questão do ser humano enquanto sujeito diante de situação tão tempestuosa não poderia ser deixada de lado em se tratando de Saramago. Aqui se juntam a crítica à idiossincrasia do iberismo e a condição periférica da Península e a observação da colocação do sujeito, a sua identidade, até porque é por meio dos personagens ― homens e mulheres de perfis sociais comuns ― que serão transpostos os caracteres da identidade nacional ― de certa forma perdida, principalmente por parte do povo lusitano.
Pode-se dizer, depois de 26 anos, que A jangada de pedra é um romance atualíssimo, tanto no que tange a situação dos Estados peninsulares quanto no que diz respeito ao comportamento do homem. O mito cercando tudo isso é outro elemento que não só torna a obra ainda mais interessante, como também marca uma característica histórica, social e cultural bastante presente na população do local que se trata. A metáfora de A jangada de pedra está no plano político, social e histórico. Assim como não é novidade para ninguém que os ibéricos são distantes do restante da Europa, não há nenhuma surpresa em dizer que Saramago trouxe isto à ficção de forma genial.

Histórias e historietas com palavras, depois de ter lido "As pequenas memórias" e não só

Juntei as palavras que me puseram na mesa e construí a minha história. Sem pedra, sem jangada, sem intermitências. Só com palavras que fluíram naturalmente. Na minha casa também não havia livros, tal como na sua. As memórias que me assaltam tornam-nos parecidos e também são pequenas. Não havia O Século, nem Dolfuss, nem o Diário de Notícias, nem semanários como o Sempre Fixe. Nada. Nem a forrar paredes. Só a Bíblia que herdei do meu avô, felizmente alfabetizado, apesar de ter também nascido no século XIX, como o seu, que me lia as histórias do evangelho, quando estava frio. Jesus, Caim, Parábolas, palavras que fui ouvindo. Mas, ao contrário de si, não aprendi a ler sozinha, tive ajuda; primeiro tive a chamada "escola paga", particular; depois a pública.  E consegui estudar até à Universidade, em Lisboa, porque tive a força suficiente e a persistência de dizer que QUERIA (trabalhei um ano inteiro, pedi bolsa). O meu pai, também José, nunca pôde estudar mais do que a 3ª classe, com a professora regente; gostava de ler, mas estava proibido pelo médico por causa da miopia. Teve de trabalhar no campo, para ajudar a família.
O campo foi sempre um espaço mítico, de refúgio, até hoje. Sobretudo para o meu pai. Para mim também. Conheço as árvores, as pedras, o vento, as plantas, o céu. Continuo a ter a casa desse avô e a minha, as duas próximas uma da outra. Empreendemos sempre essa viagem, várias vezes ao ano: um presente que foi passado e há de ser futuro.
Na prática somos duas pessoas numa só: duplicamo-nos, umas vezes estamos na cidade, pouco vemos; outras vezes estamos num espaço paradisíaco, o mesmo que nos acompanhará toda a vida e cada instante dura a eternidade. Nem uma só uma vez a palavra "morte" nos assusta quando ali estamos. Fazemos parte da paisagem. Com ela os animais: para sempre os gatos, os cães; na memória as galinhas, os patos, as burras (as duas, a Mimosa e a Carocha).Ao contrário dos seus avós, nunca gostei de porcos, tivemos poucos (só foram mais quando o meu pai era pequeno, também os vendiam). Choravam quando morriam, era um espetáculo que nunca esquecerei.
Os nossos nomes têm sempre uma razão: o senhor herdou uma alcunha de família - Saramago- ; a mim deram-me (a minha madrinha) o nome da minha avó e um dos nomes do meu pai - Martins. O meu pai tinha um nome igual ao seu e um outro que nunca foi dele - Vítor (mas do meu avó). Era o Zé do Vítor e ficou sendo Zé Vítor. Gosto dos nomes das suas personagens, das que têm nome. Sobretudo de Tertuliano Máximo Afonso. E de José, de Todos os Nomes. Mas gosto sobretudo dos topónimos portugueses- como  Amendoais, no Algarve, a minha terra. Tão bonito como Azinhaga, não acha?

Amendoeiras em flor

sexta-feira, 8 de março de 2013

Visita à Fundação

Fomos à Fundação José Saramago.
Ainda não tínhamos ido visitar a Fundação, embora já estivesse nos nossos planos há algum tempo. A participação no concurso fez-nos "apanhar" o barco da carreira Montijo-Lisboa e lá fomos num percurso à beira Tejo.
A visita transportou-nos para o universo do autor. Os livros, as fotos, a família, os amigos, as palestras, as viagens, as traduções....
Gostámos. Vamos voltar com a família e com os alunos.
Na exposição
                              
Um café na livraria

A medalha representativa do Nobel

A Oliveira e Saramago

quinta-feira, 7 de março de 2013

Viagem

Quase no final desta viagem, vamos falar de  outra viagem com o livroA Viagem do elefante. Uma viagem a um século de ouro da História de Portugal que Saramago retrata de forma irónica. O elefante Salomão, ou Solimão, viaja de Lisboa a Viena; as tropas e o tratador têm de conseguir pô-lo lá vivo. Ao longo da viagem, por terra e por mar, as personagens ganham e perdem importância, tal como nós na nossa vida...umas vezes com mais importância, outras vezes, com menos - aos olhos dos outros e até aos nossos próprios olhos. Pela voz de Subhro, o cornaca ou tratador de elefantes, conhecemos algumas características especiais dos elefantes, como a sua sensibilidade, inteligência e meiguice. E também vemos a reação das pessoas face ao animal que, no fim, depois de esquecido e morto, se transforma em alguns objetos de decoração, de gosto duvidoso.
Numa perspetiva histórica e partindo de um facto real- a oferta do paquiderme asiático feita pelo rei D. João III ao arquiduque Maximiliano II que será o futuro genro do imperador Carlos V da Áustria -, o escritor desvenda questões como as crenças, a intolerância, a persistência, a fama e a morte.

A escrita deste livro germinou durante 10 anos (a ideia nasceu em Salsburgo, num restaurante chamado "Elefante") e foi interrompida com a doença do escritor que só o  concluiu, em 2008. A curiosidade relativa ao livro é que serve de exemplo do processo criativo de Saramago, no documentário José e Pilar, realizado nessa altura. O autor escrevia este romance (ou conto, como lhe "chama").
 
Em algumas escolas, este livro é lido no Ensino Secundário... e os alunos devem escolher uma imagem que ilustre a parte da obra que mais gostaram para falarem um pouco do livro. Eu vou escolher esta imagem pelas razões já referidas.

quarta-feira, 6 de março de 2013

A avó Josefa

Este texto tem sido amplamente divulgado nas escolas, até porque durante o mês de outubro se comemora o mês do idoso. É habitual nas disciplinas de Português e de Formação Cívica os alunos e docentes  tratarem dos direitos das pesssoas idosas.
As turmas do 7º ano, quando trabalham o texto normativo "A Carta", gostam de ler o que o autor diz sobre a sua avó. Discute-se se o texto cumpre esses critérios ou se é outro tipo de texto. Em termos de conteúdo, transparece nas suas palavras o amor incondicional por alguém que de tão puro e natural está acima de todas as imperfeições do ser humano. Um exemplo a seguir por uma sociedade que não valoriza as pessoas mais velhas.
A reação dos alunos é sempre muito boa: emocionam-se. Poucos são aqueles que mantêm uma relação tão forte com esta figura, a avó. Vivemos, sem dúvida,  tempos de crise, sobretudo ao nível dos valores.
Trata-se efetivamente de uma crónica que Saramago escreveu e que surge no livro Deste Mundo e do Outro.

Josefa Caixinha
Carta para Josefa, minha avó
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste  se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias d aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada o mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas,  um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És  sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao  roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

Deste mundo e do outro : crónicas / José Saramago. 6a ed. Lisboa : Caminho, 1999.  ISBN 972-21-0288-5.

terça-feira, 5 de março de 2013

Discurso de Estocolmo - o avô Jerónimo

Discurso pronunciado a 7 de dezembro de 1998 na Academia Sueca (excerto)


"O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro de casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom caráter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável.(..)"

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Silêncio da Água e Manuel Estrada

Manuel Estrada, professor, comunicador e pensador, é um dos mais importantes designers gráficos de Espanha. Presidente da Asociación Diseñadores de Madrid (DIMAD), membro do Consejo Superior de Enseñanzas Artísticas de España e presidente executivo do Comité    Assessor da Bienal Iberoamericana de Diseño. Das suas mãos, nasceram inúmeras capas para publicações e edições, cartazes de cinema, logos institucionais e imagens corporativas. Recorde-se a identidade visual e o projecto museográfico do Museo del Traje (Madrid), a imagem do pavilhão espanhol na Expo 2008, o logo dos Prémios Cervantes. Ilustrou O Silêncio da Água e realizou os desenhos das várias capas das edições em castelhano de José Saramago.


Ilustrações de Manuel Estrada para "O silêncio da Água"



O Silêncio da Água e Alcochete

O Silêncio da Água "nasceu" do livro de recordações, As Pequenas Memórias, editado em 2006 e que abrange o período da vida de José Saramago dos quatro aos quinze anos.

No passado ano letivo, esta obra foi trabalhada em algumas turmas do 6º ano da Escola E. B. 2,3 El-Rei D. Manuel I, nas disciplinas de Português e Educação Visual e Tecnológica. 

No final do ano, realizou-se uma exposição na Biblioteca Municipal de Alcochete, com o tema "O Silêncio da Água". Esta exposição realizou-se no âmbito da RBAL - Rede de Bibliotecas de Alcochete.  
Os alunos, depois de lerem e trabalharem a obra na disciplina de Português e na disciplina de Educação Visual e Tecnológica produziram vários tipos de trabalhos relacionados com as artes plásticas - ilustrações, pinturas, esculturas e instalações.

Trabalhos realizados a partir do texto de Saramago






sábado, 23 de fevereiro de 2013

Conto da Ilha Desconhecida

Neste ano do Mar , celebrado pela UNESCO e pelo PNL, este texto de Saramago é indicado, sobretudo, para o 3º ciclo. Porquê? Porque, num único conto, o autor  reúne as características do conto tradicional (texto narrativo curto, espaço e tempo indeterminados, poucas personagens, a moralidade), com a presença de elementos simbólicos, como a  água, o barco e o sonho. O poder surge  retratado na imagem do rei que recebe a informação de forma indireta e decide, sem falar com os seus súbditos...Afastado dos cidadãos, preocupa-se com coisas supérfluas, com os "obséquios". O homem, sem nome, que pede o barco, não sabe navegar no mar, mas talvez saiba "navegar na vida". E é  isso que vai provar, na companhia da mulher da limpeza. Uma viagem iniciática, em direção ao conhecimento do amor e da vida, a uma Ilha Desconhecida que só existia na sua imaginação. O Barco tornou-se na ilha que procuravam, no espaço tão ansiado.Teria de existir uma mulher, nesta viagem. Uma mulher forte e determinada. Para que o homem se sentisse acompanhado, nesta descoberta de si mesmo e da natureza. 

Este conto traduzido em várias línguas, já foi dramatizado em Portugal e no estrangeiro. Nas escolas, tem sido alvo de trabalhos de ilustração, como se pode verificar neste exemplo:

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Um Caderno para Saramago

As REDES SOCIAIS

Este texto que se segue aparece na Fundação Saramago e explica a forma como o escritor se iniciou nestas coisas das redes sociais.

Disseram-me que reservaram para mim um espaço no blogue e que devo escrever para ele, o que for, comentários, reflexões, simples opiniões sobre isto e aquilo, enfim, o que vier a talhe de foice. Muito mais disciplinado do que frequentemente pareço, respondi-lhes que sim, senhor, que o faria desde que não me fosse exigida para este Caderno a assiduidade que a mim mesmo havia imposto nos outros. Portanto, pelo que isso possa valer, contem comigo.
José Saramago

A 17 de Setembro de 2008, José Saramago iniciava a escrita do seu blogue com um texto sobre Lisboa, intitulado “Palavras para uma Cidade”.
Um ano depois, o Escritor despedia-se deste seu espaço na “página infinita da Internet” para poder dedicar-se à escrita de um novo livro, deixando em aberto regressos esporádicos ao sabor da actualidade, sobre a qual, e com tanta acutilância, escrevia. O Caderno continuou a ser actualizado com textos retirados da obra de Saramago e posteriormente do livro José Saramago nas Suas Palavras, organizado por Fernando Gómez Aguilera, um “dicionário literário, pessoal e ideológico elaborado a partir de palavras do autor publicadas na imprensa escrita”.
A 2 de Junho de 2010, duas semanas antes da sua morte, Saramago voltava pela última vez ao Caderno para agradecer a Henning Mankell a sua participação na frota da liberdade atacada por Israel a caminho da Faixa de Gaza.
Os textos d’O Caderno de Saramago foram editados em livro, tendo sido publicados até agora em Portugal e Brasil, Espanha (espanhol e catalão), América Latina, Alemanha, Estados Unidos da América, Grécia, Holanda, Itália, Reino Unido, Roménia e Turquia.
Ao longo destes três anos, O Caderno de Saramago contabiliza já mais de 5 milhões de visitas.
Obrigado, Saramago!

Fundação José Saramago


"Palavras para uma cidade":

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A revista "Blimunda"



  (Exemplos de capas de algumas revistas)

A Fundação José Saramago publica esta revista mensal, com o nome da personagem feminina de Memorial do Convento, desde 2007, com o objetivo de defender e promover a cultura nas suas mais diversas formas. São referidos autores que é preciso relembrar - tal como Michel Giacometti , neste nº de fevereiro de 2013 - e publicam-se textos sobre Saramago (de críticos, outros escritores...). Dá-se também oportunidade à literatura estrangeira e portuguesa mais atual. Viajamos por lugares e pela memória desses lugares. A secção infantil e juvenil também é muito interessante.
Agora a revista existe em versão digital, acompanhando estes tempos. É só preciso subscrever e pronto.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Blimunda e Baltasar

Hoje, foi Dia dos Afetos, no Agrupamento de Escolas de Alcochete. Dia de S. Valentim, Dia dos Afetos. Com muitas atividades: mural dos Afetos; entrevista intergeracional; leituras diversas.

Os alunos do 12º ano, do Curso Profissional de Marketing e de Informática tinham acabado de ler sobre a relação amorosa entre o rei D. João V e a rainha (Memorial do Convento). Riram-se bastante da descrição inicial...depois, a professora que já tinha analisado esta vertente, relacionando-a com o livro e filme acabadinhos de ver "Crónica do Rei Pasmado" de Gonzalo Torrente Ballester, leu com eles o início da relação amorosa entre Blimunda e Baltasar, vozes dos mais humildes, do povo: um homem destroçado e uma mulher diferente. Ambos com um sonho. E sem receio de viverem livremente a relação amorosa, pois quem se conhece num auto de fé, nunca mais terá medo de viver, de amar...de voar e de morrer.


Ilustração de Ana Kiã Moraes


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Poeta? Os Poemas Possíveis


Pintura de Carlos Reis
Li um dia que Saramago escreveu também alguns poemas. Tive curiosidade e encontrei esse livro: Os Poemas Possíveis. Com os alunos costumamos ler este poema, no 9º ano. Depois de lermos a Partida de Belém, da Praia das Lágrimas,no canto IV, de Os Lusíadas, surge esta personagem, o Velho do Restelo, voz contrária aos Descobrimentos, ao progresso (para alguns). Saramago agarra a personagem e decide utilizá-la como voz de uma sociedade injusta e descontente. Uma mensagem atual!


Fala do velho do restelo ao astronauta 

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.


No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme



(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Tiago Albuquerque


José Saramago representado por Tiago Albuquerque   


Tiago Albuquerque nasceu, em Lisboa, em 1982. Licenciado em Artes Plásticas na variante de Escultura pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, Tiago Albuquerque completou a sua formação no Centro de Arte e Comunicação Visual - Ar.Co, onde fez o curso de Banda Desenhada/Ilustração. Esta aprendizagem marcou o seu registo – ou diversidade de registos – enquanto ilustrador e capista de livros para crianças e jovens, sendo visível a influência da estética da banda desenhada e do cartoon. No seu trabalho com a imagem digital, prefere quase sempre uma paleta de cores reduzida, explorando um simbolismo geométrico que reverte para a simplicidade das formas. No âmbito da ilustração editorial, tem colaborado com o jornal i, entre outras publicações na imprensa. Realizou o filme de animação Diário de uma Inspectora, com argumento de João Paulo Cotrim, e My Music, com argumento de Luísa Costa Gomes. Também é autor de capas para discos, o que não surpreende, dado que toca em seis bandas diferentes: Voodoo Marmalade, Soaked Lamb, Lousy Guru, Muri Muri, Rage Messengers e Capitães da Areia.

Fontes consultadas:
http://www.portugalbologna2012.com/Tiago-Albuquerque


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Lemos também um pouco do excerto de Ensaio sobre a Cegueira

Fizemos o folheto para esse projeto -Hello - e apresentámos o escritor. Também em Itália.  Podem dar uma olhadela ao que levámos. Afinal, nem tínhamos combinado com Castelo de Paiva o que íamos mostrar aos nossos amigos do projeto europeu. Acabámos por levar livros diferentes do mesmo autor português. Os meus alunos leram o início do romance Ensaio sobre a Cegueira e cada um pôde imaginar o que seria viver sem conseguir VER. A seguir, houve atividades sobre as questões relativas à deficiência, com a turma do 8ºB: ida à Cercima para uma atividade conjunta (música e pintura) e trabalho efetivo sobre as condições de vida para os deficientes em cadeira de rodas, dentro de Alcochete (para participação no Concurso Escola Alerta promovido pelo I.P. e pelo I.N.R., nesse ano letivo): pequeno filme sobre as acessibilidades e entrevista à responsável da Câmara Municipal do urbanismo e ao jovem Pedro Dias que veio falar, com a turma, sobre a sua história de vida. 

Este foi o logotipo do projeto comunitário já referido:



                                           Folheto: http://pt.scribd.com/doc/125918479/Folheto



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

As Intermitências da Morte- a descoberta

No ano 2007, a Escola E.B.2,3 El-Rei D. Manuel I participava no projeto Comenius Hello, um projeto que tratava de questões relativas à tolerância. Os países envolvidos eram: Portugal (duas escolas, a nossa e a Escola Secundária de Castelo de Paiva); Itália (Busto) e uma outra que desistiu (do sul); Bulgária (desistiu no 1º ano), Alemanha (duas escolas), Espanha (Vitoria) e Turquia (Denizli).
Os encontros iam decorrendo - durante 3 anos- e fomos fazendo sempre muitos trabalhos com os alunos (que nos acompanhavam também aos encontros).
Num dos encontros, em Busto, em 2007, uma das escolas portuguesas - Castelo de Paiva-  apresentou uma história com fantoches, em inglês. Era um excerto de um livro do escritor José Saramago e era uma história (o autor dizia ser uma fábula, mas era, na verdade, uma parábola) de uma família (os pais) que descriminava um avô e, por isso, foi o neto que lhes deu uma lição de moral. Não conhecia o livro As Intermitências da Morte - mas os meus alunos de Português acabaram por ler esse excerto que é muito tocante. A partir daí, acabei sempre por ler algo deste escritor aos alunos do Ensino Básico (o caso deste excerto ou de A maior flor do mundo, por exemplo).
Os alunos do Ensino Básico gostam muito deste livro: recomendo sempre a leitura a alunos do 9º ano. Neste ano letivo, foi um dos livros apresentados por uma aluna do 9º ano, com muito sucesso, em sala de aula, sendo recomendado pela biblioteca escolar. A aluna foi depois convidada a apresentá-lo num encontro de Leituras Terríveis que decorreu na biblioteca da Escola Secundária de Alcochete (dia 15/2/2013). Também com muito sucesso!!

Physiognomische Fragmente, 1775-78, representa o rosto da morte encoberta pela máscara de uma mulher, como na obra de Saramago.Vejam este belo trailer do livro:


"No dia seguinte ninguém morreu."  Começa assim. Afinal, a morte faz falta, também ela - personificada - deve ser amada. E, às vezes, quando nos dizem que não fazemos falta, temos o direito de dizer BASTA!

O excerto lido pelos alunos era o seguinte:

" Era uma vez, no antigo país das fábulas, uma família em que havia um pai, uma mãe, um avô que era o pai do pai e aquela já mencionada criança de oito anos, um rapazinho. Ora sucedia que o avô já tinha muita idade, por isso tremiam-lhe as mãos e deixava cair a comida da boca quando estavam à mesa, o que causava grande irritação ao filho e à nora, sempre a dizerem-lhe que tivesse cuidado com o que fazia, mas o pobre velho, por mais que quisesse, não conseguia conter as tremuras, pior ainda se lhe ralhavam, e o resultado era estar sempre a sujar a toalha ou a deixar cair a comida ao chão, para já não falar do guardanapo que lhe atavam ao pescoço e que era preciso mudar-lhe três vezes ao dia, ao almoço, ao jantar e à ceia. Estavam as coisas neste pé e sem nenhuma expectativa de melhora quando o filho resolveu acabar com a desagradável situação. Apareceu em casa com uma tijela de madeira e disse ao pai, A partir de hoje passará a comer daqui, senta-se na soleira da porta porque é mais fácil de limpar e assim já a sua nora não terá de preocupar-se com tantas toalhas e tantos guardanapos sujos. E assim foi. Almoço, jantar, ceia, o velho sentado sozinho na soleira da porta, levando a comida à boca conforme lhe era possível, metade perdia-se no caminho, uma parte da outra metade escorria-lhe pelo queixo abaixo, não era muito o que lhe descia finalmente pelo que o vulgo chama o canal da sopa. Até que uma tarde, ao regressar do trabalho, o pai viu o filho a trabalhar com uma navalha um pedaço de madeira e julgou que, como era normal e corrente nessas épocas remotas, estivesse a construir um brinquedo por suas próprias mãos. No dia seguinte, porém, deu-se conta de que não se tratava de um carrinho, pelo menos não se via sítio onde se lhe pudessem encaixar umas rodas, e então perguntou, Que estás a fazer. O rapaz fingiu que não tinha ouvido e continuou a escavar na madeira com a ponta da navalha, isto passou-se no tempo em que os pais não eram assustadiços e não corriam a tirar das mãos dos filhos um instrumento de tanta utilidade para a fabricação de brinquedos. Não ouviste, que estás a fazer com esse pau, tornou o pai a perguntar, e o filho, sem levantar a vista da operação, respondeu, Estou a fazer uma tigela para quando o pai for velho e lhe tremerem as mãos, para quando o mandarem comer na soleira da porta, como fizeram ao avô. Foram palavras santas. Caíram as escamas dos olhos do pai, viu a verdade e a sua luz, e no mesmo instante foi pedir perdão ao progenitor e quando chegou a hora da ceia por suas próprias mãos lhe levou a colher à boca, por suas próprias mãos lhe limpou suavemente o queixo, porque ainda o podia fazer e o seu querido pai já não."