segunda-feira, 11 de março de 2013

A resenha vencedora da editora Companhia das Letras

Blog da Companhia das Letras - editora brasileira do escritor- lançou há alguns meses um concurso cultural visando celebrar os 90 anos do escritor português José Saramago. Ganhou esta resenha:




Jangada de Pedra
Por Caroline Oliveira

É do conhecimento geral que Portugal não estendeu sua glória à contemporaneidade e que, além da diluição de seu grande sucesso dos tempos da expansão marítima, se distanciou do restante da Europa no que tange ao desenvolvimento político, econômico e social. Em suma, não é novidade para ninguém que os atuais conterrâneos de Camões vivem num país subordinado à condição periférica no velho continente. É esta situação que metaforicamente se delineia em A jangada de pedra (edição brasileira). Já que a integração não se realiza, por que não arrancar a Península Ibérica da Europa? É isso que José Saramago esboça de forma magistral em seu romance, publicado em 1986, ano em que Portugal e Espanha se tornam membros da Comunidade Econômica Europeia.
Logo na primeira oração do romance, mostra-se um dos fatos que supostamente desencadeou o problema central. “Joana Carda riscou o chão” e a partir daí uma série de outros acontecimentos anormais são relatados, de forma que todos eles em unidade constituirão o suposto motivo pelo qual o território espanhol, sem mais nem menos, desgarrou-se do francês. Além de Joana, há mais quatro personagens que intervêm no tal acontecimento, sendo que Joaquim Sassa atira uma pedra ao mar com uma força além de seus limites, Pedro Orce sente a terra tremente constantemente sob seus pés, José Anaiço é perseguido por um bando de estorninhos por onde quer que vá e Maria Guavaira desmancha uma meia de lã azul interminável. Tudo isso se dá concomitantemente, mas em locais distintos.
José Saramago lança mão também do mito, o que torna a narrativa ainda mais interessante. Os cães de Cérbere, por exemplo, que haviam ficado em silêncio até o risco de Joana Carda e que a partir daí começaram a ladrar, se referem ao Cérbere da mitologia grega, “cão-porteiro” do Hades que impossibilitava a saída das almas do inferno. Um dos cães de Cérbere irá participar na reconstituição do mito de Ariadne, onde o fio da meia de lã azul transportado pelo cão será essencial na busca pelo caminho que levará o cão de volta a Maria Guavaira, mas desta vez em companhia dos outros quatro personagens, que viverão aventuras pela Península, que navegava pelo Atlântico.
A questão da separação geográfica da Península Ibérica não encontra respaldo científico. Ela continua misteriosamente passeando pelo oceano e engendrando um rebuliço de caráter mundial. Enquanto isso, os quatro personagens, que carregam em si a culpa de tudo, em sua jornada em busca de alguma resposta ao mistério, encontram espaço para seus dramas provenientes das relações interpessoais ― a questão do ser humano enquanto sujeito diante de situação tão tempestuosa não poderia ser deixada de lado em se tratando de Saramago. Aqui se juntam a crítica à idiossincrasia do iberismo e a condição periférica da Península e a observação da colocação do sujeito, a sua identidade, até porque é por meio dos personagens ― homens e mulheres de perfis sociais comuns ― que serão transpostos os caracteres da identidade nacional ― de certa forma perdida, principalmente por parte do povo lusitano.
Pode-se dizer, depois de 26 anos, que A jangada de pedra é um romance atualíssimo, tanto no que tange a situação dos Estados peninsulares quanto no que diz respeito ao comportamento do homem. O mito cercando tudo isso é outro elemento que não só torna a obra ainda mais interessante, como também marca uma característica histórica, social e cultural bastante presente na população do local que se trata. A metáfora de A jangada de pedra está no plano político, social e histórico. Assim como não é novidade para ninguém que os ibéricos são distantes do restante da Europa, não há nenhuma surpresa em dizer que Saramago trouxe isto à ficção de forma genial.

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