quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vimos uma passarola em Lisboa

Em março, as turmas do 8º ano da Escola Secundária de Alcochete foram a Lisboa, a dois locais importantes que tanto interessariam Saramago: o Diário de Notícias (Media Lab) e a nova exposição sobre a capital, denonimada Lisbon History Center. No último espaço, cada visitante caminha pela história da cidade e vai revendo os episódios que a caracterizaram, ao longo destes séculos. Finalmente, chegámos ao tempo de D. João V e vimos, no meio da sala, Uma Passarola que representa o sonho em ir mais além, em voar - quando nenhum mecanismo tinha sido inventado para que o objeto voasse efetivamente. Era uma heresia, talvez, na mentalidade da época. Os alunos do 8º ano não perceberam que objeto era aquele...uma espécie de OVNI.
Lembrei-me então do excerto do livro em que se fala destas questões 
- loucura ou juízo ?
" Nunca perguntamos se haverá juízo na loucura, mas vamos dizendo que de louco todos temos um pouco. São maneiras de nos segurarmos do lado de cá, imagine-se darem os doidos como pretexto para exigir igualdades no mundo dos sensatos, só loucos um pouco, o mínimo juízo que conservem, por exemplo, salvaguardarem a própria vida, como está fazendo o padre Bartolomeu Lourenço. Se abrirmos de repente a vela, cairemos na terra como uma pedra, e é ele quem vai manobrar a corda, dar-lhe a folga precisa para que se estenda a vela sem esforço, tudo depende agora do jeito, e a vela abre-se devagar, faz descer a sombra sobre as bolas de âmbar e a máquina diminui de velocidade, quem diria que tão facilmente se poderia ser piloto nos ares, já podemos ir à procura de novas índias."
    " Memorial do Convento", Editorial Caminho (1ª ed., 1982)
A Passarola - Lisbon History Center

sábado, 20 de abril de 2013

Pois, um poema!!

No mundo há vozes que se soltam
Nascem livres debaixo das pedras
Caminham ao lado dos muros
Persistem na recolha das folhas
Na apanha das ideias presas nas flores.

No mundo o vento não pára
Traz o cinzento e o verde
Traz o laranja e o azul
Por isso ficamos à espera
Palavras vírgulas pontos finais.

Apenas isso misturado mais nada
Porque a passarola precisa de vento e de outras coisas
Do sonho da liberdade
De um operário da escrita.


Foto de Sebastião Salgado

Lucidez e Escola - Ensino Secundário (uma escolha)

Lucidez (branca). Ora aí está uma palavra que, para além de constar num dos títulos da sua obra, também sintetiza o seu pensamento sobre o mundo, em geral, sobretudo sobre a classe política. Uma mensagem atual, de um escritor interventivo, atento e sempre pronto a contestar a "desordem natural" das coisas. Voto branco significa desconfiança.
Camões, quer na obra épica quer na lírica, sempre aludiu, a essa sua faceta enquanto escritor: a de desassossegar, de chamar a atenção do leitor, se este conseguir perceber a mensagem, se conseguir descodificar o discurso. Saramago teve a oportunidade de viver alguns séculos depois de Camões, numa sociedade mais escolarizada, que podia comprar os seus livros, ler e/ou ver  as suas entrevistas, as suas crónicas.
Viveu no tempo em que o cinema e a literacia mediática invadiram todas as casas (ou quase todas), por isso ele próprio se tornou visível, requisitado e invejado. A sociedade portuguesa continua a torná-lo visível, a ler os seus livros e a olhar felizmente para a sua obra com orgulho.
Perguntamos a nós mesmos se um grande escritor, que viajou pelo mundo e conviveu com tantos escritores, pode ser incómodo. Pode, sim. Saramago tratou da questão da cegueira branca, no seu livro "Ensaio sobre a Cegueira", num texto metafórico que demonstra que a expressão idiomática "em terra de cego, quem tem olho é rei", pode ser desconstruída. E se vivermos todos numa sociedade doente, em que alguns cegos é que nos governam? O que podemos fazer? Sujeitamo-nos? Como estamos a fazer? Podemos até ver a adaptação para filme desta obra e ler alguns excertos com os alunos.
Também a crítica às grandes catedrais do consumo que tudo matam (o tecido económico), que levam as pessoas a gastar o que têm e não têm, surge no livro A caverna. Um livro que deveria ser lido nas escolas e trabalhado com os alunos do Ensino Secundário (numa perspetiva de leitura crítica, reflexiva). Por que saímos das cavernas e estamos agora a regressar a elas? Para consumir!?