terça-feira, 15 de janeiro de 2013

As Intermitências da Morte- a descoberta

No ano 2007, a Escola E.B.2,3 El-Rei D. Manuel I participava no projeto Comenius Hello, um projeto que tratava de questões relativas à tolerância. Os países envolvidos eram: Portugal (duas escolas, a nossa e a Escola Secundária de Castelo de Paiva); Itália (Busto) e uma outra que desistiu (do sul); Bulgária (desistiu no 1º ano), Alemanha (duas escolas), Espanha (Vitoria) e Turquia (Denizli).
Os encontros iam decorrendo - durante 3 anos- e fomos fazendo sempre muitos trabalhos com os alunos (que nos acompanhavam também aos encontros).
Num dos encontros, em Busto, em 2007, uma das escolas portuguesas - Castelo de Paiva-  apresentou uma história com fantoches, em inglês. Era um excerto de um livro do escritor José Saramago e era uma história (o autor dizia ser uma fábula, mas era, na verdade, uma parábola) de uma família (os pais) que descriminava um avô e, por isso, foi o neto que lhes deu uma lição de moral. Não conhecia o livro As Intermitências da Morte - mas os meus alunos de Português acabaram por ler esse excerto que é muito tocante. A partir daí, acabei sempre por ler algo deste escritor aos alunos do Ensino Básico (o caso deste excerto ou de A maior flor do mundo, por exemplo).
Os alunos do Ensino Básico gostam muito deste livro: recomendo sempre a leitura a alunos do 9º ano. Neste ano letivo, foi um dos livros apresentados por uma aluna do 9º ano, com muito sucesso, em sala de aula, sendo recomendado pela biblioteca escolar. A aluna foi depois convidada a apresentá-lo num encontro de Leituras Terríveis que decorreu na biblioteca da Escola Secundária de Alcochete (dia 15/2/2013). Também com muito sucesso!!

Physiognomische Fragmente, 1775-78, representa o rosto da morte encoberta pela máscara de uma mulher, como na obra de Saramago.Vejam este belo trailer do livro:


"No dia seguinte ninguém morreu."  Começa assim. Afinal, a morte faz falta, também ela - personificada - deve ser amada. E, às vezes, quando nos dizem que não fazemos falta, temos o direito de dizer BASTA!

O excerto lido pelos alunos era o seguinte:

" Era uma vez, no antigo país das fábulas, uma família em que havia um pai, uma mãe, um avô que era o pai do pai e aquela já mencionada criança de oito anos, um rapazinho. Ora sucedia que o avô já tinha muita idade, por isso tremiam-lhe as mãos e deixava cair a comida da boca quando estavam à mesa, o que causava grande irritação ao filho e à nora, sempre a dizerem-lhe que tivesse cuidado com o que fazia, mas o pobre velho, por mais que quisesse, não conseguia conter as tremuras, pior ainda se lhe ralhavam, e o resultado era estar sempre a sujar a toalha ou a deixar cair a comida ao chão, para já não falar do guardanapo que lhe atavam ao pescoço e que era preciso mudar-lhe três vezes ao dia, ao almoço, ao jantar e à ceia. Estavam as coisas neste pé e sem nenhuma expectativa de melhora quando o filho resolveu acabar com a desagradável situação. Apareceu em casa com uma tijela de madeira e disse ao pai, A partir de hoje passará a comer daqui, senta-se na soleira da porta porque é mais fácil de limpar e assim já a sua nora não terá de preocupar-se com tantas toalhas e tantos guardanapos sujos. E assim foi. Almoço, jantar, ceia, o velho sentado sozinho na soleira da porta, levando a comida à boca conforme lhe era possível, metade perdia-se no caminho, uma parte da outra metade escorria-lhe pelo queixo abaixo, não era muito o que lhe descia finalmente pelo que o vulgo chama o canal da sopa. Até que uma tarde, ao regressar do trabalho, o pai viu o filho a trabalhar com uma navalha um pedaço de madeira e julgou que, como era normal e corrente nessas épocas remotas, estivesse a construir um brinquedo por suas próprias mãos. No dia seguinte, porém, deu-se conta de que não se tratava de um carrinho, pelo menos não se via sítio onde se lhe pudessem encaixar umas rodas, e então perguntou, Que estás a fazer. O rapaz fingiu que não tinha ouvido e continuou a escavar na madeira com a ponta da navalha, isto passou-se no tempo em que os pais não eram assustadiços e não corriam a tirar das mãos dos filhos um instrumento de tanta utilidade para a fabricação de brinquedos. Não ouviste, que estás a fazer com esse pau, tornou o pai a perguntar, e o filho, sem levantar a vista da operação, respondeu, Estou a fazer uma tigela para quando o pai for velho e lhe tremerem as mãos, para quando o mandarem comer na soleira da porta, como fizeram ao avô. Foram palavras santas. Caíram as escamas dos olhos do pai, viu a verdade e a sua luz, e no mesmo instante foi pedir perdão ao progenitor e quando chegou a hora da ceia por suas próprias mãos lhe levou a colher à boca, por suas próprias mãos lhe limpou suavemente o queixo, porque ainda o podia fazer e o seu querido pai já não."

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